domingo, 18 de maio de 2008

Amor Próprio - Voltaire

O primeiro texto deste Blog, sem dúvidas, deveria falar de Amor, mas o Amor Próprio. Hoje, nem sabemos se nos amamos. Ontem, amávamos a todos. Amanhã, a quem amaremos? Reflitam, após a leitura deste texto de Voltaire, sobre se no contexto atual nos amamos. Boa leitura.


AMOR PRÓPRIO
Um mendigo dos arredores de Madri esmolava nobremente. Disse-lhe um transeunte:
— O sr. não tem vergonha de se dedicar a mister tão infame, quando podia trabalhar?
— Senhor, – respondeu o pedinte – estou lhe pedindo dinheiro e não conselhos. – E com toda a dignidade castelhana virou-lhe as costas. Era um mendigo soberbo. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si mesmo, e por amor de si mesmo não suportava reprimendas. Viajando pela Índia, topou um missionário com um faquir carregado de cadeias, nu como um macaco, deitado sobre o ventre e deixando-se chicotear em resgate dos pecados de seus patrícios hindus, que lhe davam algumas moedas do país.
— Que renúncia de si próprio! – dizia um dos espectadores.
— Renúncia de mim próprio? – retorquiu o faquir.
– Ficai sabendo que não me deixo açoitar neste mundo senão para vos retribuir no outro. Quando fordes cavalo e eu cavaleiro. Tiveram pois plena razão os que disseram ser o amor de nós mesmos a base de todos as nossas ações – na Índia, na Espanha como em toda a terra habitável. Supérfluo é provar aos homens que têm rosto. Supérfluo também seria demonstrar-lhes possuírem amor próprio. O amor próprio é o instrumento da nossa conservação. Assemelha-se ao instrumento da perpetuação da espécie. Necessitamo-lo. É-nos caro. Deleita-nos – E cumpre ocultá-lo.

Nenhum comentário: