terça-feira, 27 de maio de 2008

Cante lá, que eu canto cá - Patativa do Assaré




Poeta, cantô de rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.
Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.
Você teve inducação,
Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Tê armoço de fejão
E a janta de mucunzá,
Vivê pobre, sem dinhêro,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.

Você é muito ditoso,
Sabe lê, sabe escrevê,
Pois vá cantando o seu gozo,
Que eu canto meu padecê.
Inquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divera,
Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,
Moiadinho de suó.

Amigo, não tenha quêxa,
Veja que eu tenho razão
Em lhe dizê que não mêxa
Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega
De quá manêra se pega
Num ferro pra trabaiá,
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.

Repare que a minha vida
É deferente da sua.
A sua rima pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente,
Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obra da criação.
Mas porém, eu não invejo
O grande tesôro seu,
Os livro do seu colejo,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima compreta,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se as vêz andando no vale
Atrás de curá meus male
Quero repará pra serra
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um divule de rima
Caindo inriba da terra.
Mas tudo é rima rastêra
De fruita de jatobá,
De fôia de gamelêra
E fulô de trapiá,
De canto de passarinho
E da poêra do caminho,
Quando a ventania vem,
Pois você já tá ciente:
Nossa vida é deferente
E nosso verso também.

Repare que deferença
Iziste na vida nossa:
Inquanto eu tô na sentença,
Trabaiando em minha roça,
Você lá no seu descanso,
Fuma o seu cigarro mando,
Bem perfumado e sadio;
Já eu, aqui tive a sorte
De fumá cigarro forte
Feito de paia de mio.

Você, vaidoso e facêro,
Toda vez que qué fumá,
Tira do bôrso um isquêro
Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso,
Puxo por meu artifiço
Arranjado por aqui,
Feito de chifre de gado,
Cheio de argodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divirtida
E a minha é grande pená.
Só numa parte de vida
Nóis dois samo bem iguá:
É no dereito sagrado,
Por Jesus abençoado
Pra consolá nosso pranto,
Conheço e não me confundo
Da coisa mió do mundo
Nóis goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá
Nem você invejá eu,
O que Deus lhe deu por lá,
Aqui Deus também me deu.
Pois minha boa muié,
Me estima com munta fé,
Me abraça, beja e qué bem
E ninguém pode negá
Que das coisa naturá
Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio,
Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá.
Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.

Patativa de Assaré/Antônio Gonçalves da Silva

EU, ETIQUETA - Carlos Drummond de Andrade





Em minha calça está grudado um nome

Que não é meu de batismo ou de cartório

Um nome... estranho.

Meu blusão traz lembrete de bebida

Que jamais pus na boca, nessa vida,

Em minha camiseta, a marca de cigarro

Que não fumo, até hoje não fumei.

Minhas meias falam de produtos

Que nunca experimentei

Mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido

De alguma coisa não provada

Por este provador de longa idade.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

Minha gravata e cinto e escova e pente,

Meu copo, minha xícara,

Minha toalha de banho e sabonete,

Meu isso, meu aquilo.

Desde a cabeça ao bico dos sapatos,

São mensagens,

Letras falantes,

Gritos visuais,

Ordens de uso, abuso, reincidências.

Costume, hábito, permência,

Indispensabilidade,

E fazem de mim homem-anúncio itinerante,

Escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda.

É duro andar na moda, ainda que a moda

Seja negar minha identidade,

Trocá-la por mil, açambarcando

Todas as marcas registradas,

Todos os logotipos do mercado.

Com que inocência demito-me de ser

Eu que antes era e me sabia

Tão diverso de outros, tão mim mesmo,

Ser pensante sentinte e solitário

Com outros seres diversos e conscientes

De sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio

Ora vulgar ora bizarro.

Em língua nacional ou em qualquer língua (Qualquer principalmente.)

E nisto me comparo, tiro glória

De minha anulação.

Não sou - vê lá - anúncio contratado.

Eu é que mimosamente pago

Para anunciar, para vender

Em bares festas praias pérgulas piscinas,

E bem à vista exibo esta etiqueta

Global no corpo que desiste

De ser veste e sandália de uma essência

Tão viva, independente,

Que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora

Meu gosto e capacidade de escolher,

Minhas idiossincrasias tão pessoais,

Tão minhas que no rosto se espelhavam

E cada gesto, cada olhar

Cada vinco da roupa

Sou gravado de forma universal,

Saio da estamparia, não de casa,

Da vitrine me tiram, recolocam,

Objeto pulsante mas objeto

Que se oferece como signo dos outros

Objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso

De ser não eu, mas artigo industrial, P

eço que meu nome retifiquem.

Já não me convém o título de homem.

Meu nome novo é Coisa.

Eu sou a Coisa, coisamente.

O preconceito nosso de cada dia, Jaime Pinsky


Temos apenas opiniões bem definidas sobre as coisas. Preconceito é o outro quem tem... Mas, por falar nisso, já observou o leitor como temos o fácil hábito de generalizar (e prova disso é a generalização acima) sobre tudo e todos? Falamos sobre “as mulheres”, a partir de experiências pontuais; conhecemos “os políticos”, após acompanhar a carreira de dois ou três; sabemos tudo sobre os “militares” porque o síndico do nosso prédio é um sargento aposentado; discorremos sobre homossexuais (bando de sem-vergonhas), muçulmanos (gentinha atrasada), sogras (feliz foi Adão, que não tinha sogra nem caminhão), advogados (todos ladrões), professores (pobres coitados), palmeirenses (palmeirense é aquele que não tem classe para ser são-paulino nem coragem para ser corintiano), motoristas de caminhão (grossos), peões de obra (ignorantes), sócios do Paulistano (metidos a besta), dançarinos (veados), enfim, sobre tudo. Mas discorremos de maneira especial sobre raças e nacionalidades e, por extensão, sobre atributos inerentes a pessoas nascidas em determinados países. Afinal, todos sabemos (sabemos?) que os franceses não tomam banho; os mexicanos são preguiçosos; os suíços, pontuais; os italianos, ruidosos; os judeus, argentários; os árabes, desonestos; os japoneses, trabalhadores, e por aí afora. Sabemos também que cariocas são folgados; baianos, festeiros; nordestinos, miseráveis; mineiros, diplomatas, etc. Sabemos ainda que o negro não tem o mesmo potencial que o branco, a não ser em algumas atividades bem-definidas como o esporte, a música, a dança e algumas outras que exigem mais do corpo e menos da inteligência. Quando nos deparamos com um exceção admitimos que alguém possa ser limpo, apesar de francês; trabalhador, apesar de mexicano; discreto, apesar de italiano; honesto, apesar de árabe; desprendido do dinheiro, apesar de judeu; preguiçoso, apesar de japonês e também por aí afora. Mas admitimos com relutância e em caráter totalmente excepcional. O mecanismo funciona mais ou menos assim: estabelecemos uma expectativa de comportamento coletivo (nacional, regional, racial), mesmo sem conhecermos, pessoalmente, muitos ou mesmo nenhum membro do grupo sobre o qual pontificamos. Sabemos (sabemos?) que os mexicanos são preguiçosos porque eles aparecem sempre dormindo embaixo dos seus enormes chapelões enquanto os diligentes americanos cuidam do gado e matam bandidos nos faroestes. Para comprovar que os italianos são ruidosos achamos o bastante freqüentar uma cantina no Bixiga. Falamos sobre a inferioridade do negro a partir da observação empírica de sua condição socioeconômica. E achamos que as praias do Rio de Janeiro cheias durante os dias da semana são prova do caráter folgado do cidadão carioca.Não nos detemos em analisar a questão um pouco mais a fundo. Não nos interessa estudar o papel que a escravidão teve na formação histórica de nossos negros. Pouco atentamos para a realidade social do povo mexicano e de como ele aparece estereotipado no cinema hollywoodiano. Nada disso. O importante é reproduzir, de forma acrítica e boçal, os preconceitos que nos são passados por piadinhas, por tradição familiar, pela religião, pela necessidade de compensar nossa real inferioridade individual por uma pretensa superioridade coletiva que assumimos ao carimbar “o outro” com a marca de qualquer inferioridade. Temos pesos, medidas e até um vocabulário diferente para nos referirmos ao “nosso” e ao do “outro”, numa atitude que, mais do que autocondescendência, não passa de preconceito puro. Por exemplo, a nossa é religião, a do outro é seita; nós temos fervor religioso, eles são fanáticos; nós acreditamos em Deus (o nosso sempre em maiúscula), eles são fundamentalistas; nós temos hábitos, eles vícios; nós cometemos excessos compreensíveis, eles são um caso perdido; jogamos muito melhor, o adversário tem é sorte; e, finalmente, não temos preconceito, apenas opinião formada sobre as coisas. Ou deveríamos ser como esses intelectuais que para afirmar qualquer coisa acham necessário estudar e observar atentamente? Observar, estudar e agir respeitando as diferenças é o que se esperada de cidadãos que acreditam na democracia e, de fato lutam por um mundo mais justo. De nada adianta praticar nossa indignação moral diante da televisão, protestando contra limpezas raciais e discriminações pelo mundo afora, se não ficarmos atentos ao preconceito nosso de cada dia.

Histórias de camisinha, Moacyr Scliar




No século 16 uma epidemia de sífilis espalhou-se pela Europa. Não havia tratamento eficaz; usava-se o mercúrio, que matava o micróbio mas, sumamente tóxico, deixava o paciente em petição de miséria. E isso gerava uma dúvida crucial: seria possível evitar a sífilis, mas sem evitar o sexo?
A resposta foi dada pelo grande anatomista italiano Falópio (que descreveu, a propósito, as trompas de Falópio). Num trabalho publicado em 1564 — póstumo; ele morrera dois anos antes —, Falópio diz que os não-circuncisos podiam se proteger da infecção colocando um pedaço de pano sobre a glande e fixando-o com o prepúcio. Na verdade, uma manobra muito pouco prática e nada garantida. Contudo, é a Falópio que se atribui a descoberta do condom, embora uma lenda diga que os romanos já usavam, com o mesmo propósito, bexigas de bode.
A idéia pegou, mas na linha dos romanos, não de Falópio. Dois séculos depois, preservativos já estavam disponíveis, feitos de pele de peixe. O objetivo agora não era só evitar a sífilis, mas também a gravidez. Nas palavras do galante Casanova: “É preciso colocar o sexo ao abrigo de qualquer medo”. As camisinhas eram vendidas em bordéis e em alguns estabelecimentos comerciais, sendo especialmente recomendadas, segundo um anúncio da época, para “cavalheiros, embaixadores e capitães de navio viajando para o estrangeiro”. A camisinha era então um objeto sofisticado; os militares ingleses, por exemplo, usavam-nas decoradas com as cores de seu regimento. Mais tarde, o retrato da Rainha Vitória (que não era exatamente um tipo de beleza) apareceria nas caixinhas dos preservativos: homenagem à realeza ou um breve contra a luxúria? Nunca ficou esclarecido.
A camisinha era muito cara. Mas então a tecnologia veio em socorro dos aflitos amantes. Com a descoberta da vulcanização da borracha, em 1843-1844, tornou-se possível fabricar um condom mais barato e apropriado. A partir daí o uso se propagou. Os antibióticos, que foram um grande avanço na luta contra as doenças sexualmente transmissíveis, levaram também a um certo descaso com a prevenção — que voltou a ser valorizada com a corrente epidemia de Aids.
Mesmo assim ainda existem muitos obstáculos ao uso do condom. Um médico tailandês que encontrei num simpósio de saúde pública contou-me uma história muito ilustrativa. Para mostrar aos camponeses da região como usar o preservativo, ele colocava um no próprio polegar. Um dia veio ao posto de saúde um camponês furioso: ao contrário do que o médico dissera, sua esposa havia engravidado. O doutor perguntou como tinha usado o preservativo. No dedo, como o senhor mostrou, foi a resposta.
O nosso nível de informação é maior, mas mesmo assim, o condom ainda precisa ser mais difundido. Não é preciso chegar aos exageros como aquele que vi em uma camiseta: “Machão não usa camisinha; machão manda plastificar”. Mas é preciso, sim, lembrar que sexo seguro não é sexo amedrontado. Sexo seguro é, simplesmente, sexo informado.

Sexo orquestrado, Dom Eugênio Sales

Antes e durante o carnaval, ocorre uma intensa campanha, bem orquestrada, em favor do uso de preservativos. Promete relações sexuais sem perigo de contaminação pelo vírus da Aids. Com aplausos em nível internacional, o Brasil se apresenta hoje como um modelo a ser seguido na luta contra a propagação desse terrível mal. A tônica utilizada, através da mídia, é que se alcançou o dito ''sexo seguro''. Toda a campanha se concentra exclusivamente nesse método, isto é, no preservativo vulgarmente chamado ''camisinha''. Essa discriminação, preferindo-a a outros métodos, parece muito estranha, principalmente por estar em jogo a vida humana. Diante da gravidade da epidemia, é incompreensível que organismos destinados a preservar a saúde, em suas informações, omitam ou deixem em semi-obscuridade a abstinência sexual ou, ao menos, o parceiro único. Não nos esqueçamos de que a promiscuidade sexual é um dos fatores mais importantes na difusão desse vírus.
Felizmente, algo começa a mudar. Contudo, esses ventos ainda não chegaram efetivamente até nós. Toda uma mentalidade pró-liberdade irrestrita na prática do instinto sexual inibe a proclamação de outros meios capazes de impedir, com segurança, o contágio da Aids. O preservativo, chamado ''sexo seguro'', na verdade nem sempre o é. Todas as vezes que se rompe o látex, usado por alguém infectado, uma vida humana fica exposta. E o responsável por esse desastre escapa à punição.
Acabo de receber uma notícia que tem por título ''Notável mudança na política sobre Aids''. Vem de Washington, com data de 7 de janeiro último. Após 15 anos de intensa luta, o Senado de Nova Jersey aprovou uma lei que estabelece plano de promoção da abstinência sexual entre os alunos das escolas públicas, como ''a única maneira confiável'' de evitar a gravidez precoce e as enfermidades decorrentes de relações sexuais, principalmente a Aids ou Sida. Comentando o evento, disse John Tomicki, diretor executivo da Liga das Famílias da América: ''Praticar a abstinência é a melhor proteção contra a Sida e outras enfermidades de transmissão sexual''. A lei obriga a que qualquer livro ou vídeo, utilizado em classe, deva mostrar essa opção como a melhor. Alguns métodos de anticoncepção poderão ser mencionados, mas os professores deverão explicar bem os riscos que apresentam. A diretora de uma associação educativa de Nova Jersey afirmou que os materiais de ensino terão de ser substituídos ou reescritos, já que, atualmente, os colégios públicos ensinam a abstinência em oitavo ou 12° lugar, em ordem decrescente, quanto à eficácia. Recebi também diversas outras informações que justificam a esperança de uma alteração na propaganda que identifica o uso do preservativo com o sexo seguro.
A relevância deste título nos faz refletir: ''Evidência de fatores de risco, pelas falhas das camisinhas, entre os militares franceses estacionados no além-mar''. Tem origem nos Serviços de Medicina das Coletividades e no Instituto de Medicina Tropical, do Serviço de Saúde do Exército, Marselha, França. Esse Serviço Médico do Exército Francês vem distribuindo gratuitamente ''camisinhas'' ao pessoal de além-mar, desde 1989. Anos depois, constatam que as relações sexuais anais e o abuso do álcool são os principais fatores na falha dos preservativos. Os resultados desse estudo mostram que eles não dão uma proteção absoluta. A vigilância sanitária oficial deveria informar o público sobre os fatores de risco, devido às falhas das ''camisinhas''. Em uma publicação, vi uma foto de produto fabricado nos Estados Unidos, destinado às pessoas que têm alergia ao látex do preservativo comum. Como é confeccionado com tecido proveniente de víscera de carneiro, não impede o HIV. Traz a seguinte mensagem impressa: ''Este produto é elaborado para ajudar a prevenir a gravidez. Ele não protege contra a infecção do HIV (Aids) e outras doenças sexualmente transmissíveis''. Sem concordar com a destinação anunciada, reconheço a honestidade, declarando não impedir a propagação da Aids. Quantos teriam evitado a contaminação por uma doença ainda sem cura - mortal, portanto -, se não tivessem sido enganados! Uma campanha que apresenta o preservativo como estímulo ao sexo livre promove a epidemia e recebe os aplausos dos que advogam o direito à sexualidade sem restrições. Quem prefere assegurar a vida, mesmo não sendo cristão, pratica a abstinência sexual ou decide firmemente por um parceiro único e inume ao vírus. Quem viajaria de avião, se, ao entrar no aeroporto, uma faixa anunciasse que somente 87% dos passageiros chegariam ao destino com vida?
A Comissão Permanente do Episcopado Espanhol, em uma nota sobre o preservativo, faz considerações que nos obrigam à reflexão sobre o assunto. É um erro ocultar da população ser a permissividade sexual indiscriminada o maior fator de risco da Aids. Favorecendo de modo irresponsável esse procedimento, como se vem fazendo, através de iniciativas oficiais de informação, acaba-se por torná-lo um dos elementos que têm contribuído para que muitos considerem a promiscuidade sexual algo moderno e, em conseqüência, os responsáveis por tais campanhas têm aumentado os riscos de contrair-se a Aids.
O assunto aqui tratado interessa a milhares de pessoas. Evidentemente, não aos que já foram contagiados pelo HIV, pois se refere à prevenção e não à cura que, infelizmente, não existe ainda. Não me dirijo somente aos católicos, mas a todas as pessoas que necessitam de uma palavra segura, independentemente do credo religioso que professam. Essas também devem ser instruídas, para que evitem a pena de morte pelo vírus que ameaça a humanidade.
A proposta de um ''sexo seguro'' usando o preservativo fere a verdade. Mesmo os que não são cristãos também têm o direito de serem advertidos para a realidade. Por isso, vale para todos a norma do parceiro único, da fidelidade conjugal e jamais deixar-se ser objeto de uma propaganda que envolve uma inverdade. O preservativo apresentado como seguro - e não é - termina por fomentar a epidemia.



Dom Eugenio Sales, cardeal, é arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Farias, aqui o link para o áudio do texto abaixo, recitado pelo próprio Vinícius

http://www.4shared.com/file/33304525/a3fc2e14/09Mensagem__Poesia.html?s=1

Farias, o texto que lemos na aula

Mensagem à Poesia
Vinicius de Moraes

Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.
Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrarMuitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso
reconquistar a vida
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.
Ponderem-lhe, com cuidado – não a magoem... – que se não vou
Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere
Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça.
Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento
Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada
A terrível participação, e que possivelmente
Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.
Se ela não compreender, oh procurem convencê-la
Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe
Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me
Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado
Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento
Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado
Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada
Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há
Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem
Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia
Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande
Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações
Há fantasmas que me visitam de noite
E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza
No amanhãQue sinto um sorriso no rosto invisível da noite
Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso
Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora
Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde
De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável
Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale
Por um momento, que não me chame
Porque não posso irNão posso ir
Não posso.
Mas não a traí.
Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la. A minha ausência.
É também um sortilégio
Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-la
Num mundo em paz. Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha
Loucura resta comigo. Talvez eu deva
Morrer sem vê-Ia mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus
E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse
O meu martírio; que às vezes
Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas
Forças da tragédia abastecem-se sobre mim, e me impelem para a treva
Mas que eu devo resistir, que é preciso...
Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência
Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática
Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela
Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo
A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante
A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa
Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho
A quem foi dado se perder de amor pelo direito
De todos terem um pequena casa, um jardim de frente
E uma menininha de vermelho; e se perdendo
Ser-lhe doce perder-se...
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora
É mais forte do que eu, não posso ir
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.
Vinicius de Moraes, o verdadeiro poeta brasileiro, tenta resistir à poesia. O poema acima foi extraído do livro "Antologia Poética", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 160.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

1º Farias, aqui o link para o livro para leitura obrigatória

http://www.4shared.com/file/33014642/d270f976/Monteiro_Lobato_-_Emilia_no_Pais_da_Gramatica.html?s=1

Galera do 1º Farias, aqui o texto que comentei na aula de 19/05

Para Viver Um Grande Amor

Vinicius de Moraes


Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.
Texto extraído do livro "Para Viver Um Grande Amor", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1984, pág. 130.

Construção - Chico Buarque

Galera aqui está o link para fazer o download da música que trabalhamos em sala: http://www.4shared.com/file/27786361/fd7db66a/04_Construo.html

domingo, 18 de maio de 2008

Vejam a atualidade de Gregório de Matos

Povo pensante do Farias Brito, se na redação de um vestibular vocês tiverem de dissertar sobre a atual Política Brasileira e necessitarem de um intertexto, aqui está:

Gregório de Matos foi polêmico e muito de sua crítica se deu por interesses pessoais. Mas é inegável que, ao falar do Estado da Bahia, ainda no século 17, Matos definia uma mazela nacional duradoura. Vejam abaixo como a avaliação do poeta bem serve aos escândalos de hoje. É isso.



Que falta nesta cidade?… Verdade.
Que mais por sua desonra?… Honra.
Falta mais que se lhe ponha?… Vergonha.


O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha.


Quem a pôs neste rocrócio?… Negócio.
Quem causa tal perdição?… Ambição.
E no meio desta loucura?… Usura.


Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.


Para ler o poema completo: http://www.releituras.com/gmattos_menu.asp

Amor Próprio - Voltaire

O primeiro texto deste Blog, sem dúvidas, deveria falar de Amor, mas o Amor Próprio. Hoje, nem sabemos se nos amamos. Ontem, amávamos a todos. Amanhã, a quem amaremos? Reflitam, após a leitura deste texto de Voltaire, sobre se no contexto atual nos amamos. Boa leitura.


AMOR PRÓPRIO
Um mendigo dos arredores de Madri esmolava nobremente. Disse-lhe um transeunte:
— O sr. não tem vergonha de se dedicar a mister tão infame, quando podia trabalhar?
— Senhor, – respondeu o pedinte – estou lhe pedindo dinheiro e não conselhos. – E com toda a dignidade castelhana virou-lhe as costas. Era um mendigo soberbo. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si mesmo, e por amor de si mesmo não suportava reprimendas. Viajando pela Índia, topou um missionário com um faquir carregado de cadeias, nu como um macaco, deitado sobre o ventre e deixando-se chicotear em resgate dos pecados de seus patrícios hindus, que lhe davam algumas moedas do país.
— Que renúncia de si próprio! – dizia um dos espectadores.
— Renúncia de mim próprio? – retorquiu o faquir.
– Ficai sabendo que não me deixo açoitar neste mundo senão para vos retribuir no outro. Quando fordes cavalo e eu cavaleiro. Tiveram pois plena razão os que disseram ser o amor de nós mesmos a base de todos as nossas ações – na Índia, na Espanha como em toda a terra habitável. Supérfluo é provar aos homens que têm rosto. Supérfluo também seria demonstrar-lhes possuírem amor próprio. O amor próprio é o instrumento da nossa conservação. Assemelha-se ao instrumento da perpetuação da espécie. Necessitamo-lo. É-nos caro. Deleita-nos – E cumpre ocultá-lo.

Hora de abraçar a Modernidade

Fico triste por saber que meus alunos não sentem prazer em abrir um bom livro, viajar pelas palavras a mundos desconhecidos, aproveitar da maturidade alheia, conhecer o passado de grandes gênios, etc... etc... etc... O prazer para eles é "viajar pela net", e aqui estão tantas "porcarias" que precisam filtrar numa fase em que as bases de filtro, as famílias, se distanciam dessa tarefa. Resolvi, por esse motivo, invadir um espaço que minha geração, sem dúvidas, não escolheria em detrimento do bom livro. Espero que os textos aqui postados possam despertar o interesse pela leitura, e que possam também, desenvolver a criticidade destes alunos em relação aos temas apresentados. Oxalá este objeto da modernidade colabore para isto, pois é hora de abraçá-la. Façam bom uso.